Os Vinhos do Tejo
Manhãs frescas e enevoadas e dias longos e quentes dão aos vinhos do Tejo complexidade e grande riqueza aromática e gustativa
Quando se fala em vinho português, logo vêm à mente as três regiões mais emblemáticas da vasta enologia portuguesa, o Porto, o Dão e o Alentejo. Mas, para além do trio mais conhecido, o país tem outras bem consolidadas regiões vitivinícolas. Em particular, uma onde são produzidos espumantes, brancos, rosés e tintos de grande expressão e surpreendente qualidade, a Região Vitivinícola do Tejo – o antigo Ribatejo. Estamos falando de uma terra cobertas por florestas de sobreiros, extensos olivais, onde jazem ruínas romanas, remanescentes de castelos góticos, vilas medievais perdidas no tempo e mosteiros manuelinos. Localizada próxima à porção central de Portugal e à capital Lisboa, a região é atravessada pelo majestoso Tejo, o rio mais extenso da Península Ibérica e o mais longo de Portugal. O Tejo nasce na Espanha — onde é conhecido como Tajo, a 1.593m de altitude na Serra de Albarracim e percorre 1.007 km, até desaguar no Oceano Atlântico, com um enorme estuário em Lisboa.
A Região Vitivinícola do Tejo compõe-se de 17 mil hectares, com 21 municípios onde esparramam-se 12.500 hectares de vinhedos. Lá se produz aproximadamente 10% dos vinhos de Portugal. Por sua magnitude no cenário regional, o rio ajuda a modelar o clima, os terrenos, a vida ao seu redor e, como não podia deixar de ser, os vinhos produzidos em seu entorno. Para começar a conhecer os vinhos do Tejo, é preciso entender os seus três grandes terroirs: o Campo, o Bairro e a Charneca.
O Bairro (vermelho), localizado a Norte e a Leste, é formado por solos mais propícios aos tintos. Na estreita Charneca (cinza), situada ao Sul e ao Sudeste, são produzidos vinhos de maior corpo e concentração, enquanto no Campo (amarelo), predominam as variedades brancas, dentre as quais a mais emblemática é a uva Fernão Pires, provavelmente a casta mais expressiva de todo o Tejo.
À esquerda, a uva Fernão Pires e, à direita, a Syrah
A Fernão Pires é uma uva muito versátil amplamente utilizada na produção de brancos aromáticos, frutados, frequentemente cítricos e com nítidas notas florais, acidez média e notável frescor. É também muito utilizada para rosés, espumantes e, ainda, frisantes, que são vinhos com menor concentração de gás comparativamente aos espumantes. Outras variedades brancas portuguesas como Alvarinho e Arinto e uvas internacionais – francesas na origem, porém mundialmente cultivadas, como Sauvignon Blanc e Chardonnay também são amplamente cultivadas.
Os tintos do Tejo, por sua vez, são conhecidos pelo caráter frutado, frescor e taninos notadamente finos, resultando em vinhos de grande equilíbrio e muito elegantes. Entre as tintas mais cultivadas, estão as portuguesas Touriga Nacional, Castelão, Trincadeira e as variedades internacionais Cabernet Sauvignon, Syrah e Merlot.
O brasileiro Dirceu Vianna detém o mais alto título do universo do vinho, o Master of Wine. Há, em todo o mundo, apenas 409 profissionais com tal título e Dirceu é o único de língua portuguesa. Ele vive na Inglaterra desde 1989 e é consultor de vinhos para empreendimentos em vários países, escritor e juiz em concursos internacionais. Mais recentemente, se tornou embaixador dos vinhos de Portugal. No recente evento dos Vinhos de Portugal, Dirceu conduziu uma masterclass sobre os vinhos do Tejo, onde esclareceu alguns aspectos da enologia da região.
“Uma característica marcante dos territórios do Tejo são os densos e frequentes nevoeiros matinais. Não raro eles cobrem os vinhedos até as 10h da manhã. Sua presença garante a amplitude térmica que agrega aos vinhos complexidade e aromas de especiarias” disse Dirceu. A umidade constante das manhãs ajuda também a reduzir o stress hídrico das plantas.
“Os dias, por sua vez, são quentes e luminosos e garantem a boa maturação dos frutos”, completou ele.
Dirceu destacou a exuberância e a complexidade de um tinto ícone da região, o Encosta do Sobral Grande Reserva 2019. Elaborado com 50% de Syrah, 35% de Touriga Franca, 10% de Cabernet Sauvignon e 5% de Touriga Nacional, tem coloração rubi, aromas de frutas escuras, notas de chocolate e de compota e especiarias. Os taninos são presentes e muito finos, com um final longo e persistente.
“Um tinto de grande elegância e equilíbrio e que representa tão bem o alto nível da presente enologia do Tejo, turbinada por uma geração de novos enólogos com um pé na tradição e outro na modernidade”, diz o produtor Pedro Seixo.
Pedro (à direita), é diretor da prestigiada vinícola Encosta do Sobral, uma propriedade com 60 hectares de vinhas na Serra de Tomar, território privilegiado que se distingue por seus solos xistosos em uma geografia e cenário únicos.